23 de fev. de 2015

Cozinha afetiva

Moqueca à capixaba de peixe com camarão feita por "moi"! 

Saí de casa aos 26 anos. Naquela época a minha mãe gostava de brincar dizendo que eu não sabia cozinhar nem água morna, mas não era bem assim porque eu tinha duas especialidades: brigadeiro e pipoca (doce e salgada!).

A verdade é que na casa dos meus pais nunca precisei cozinhar. No Rio de Janeiro, eu tomava o café da manhã com o gostinho do Rio: uma média (café com leite) e um pão na chapa na padaria ao lado do trabalho. Almoçava a comida caseira da senhora que entregava quentinhas na empresa e no jantar fazia apenas um lanche ou me esbaldava nos petiscos dos botecos onde fazia happy hour. Quando estava inspirada, fazia um caldo verde ou uma massa em casa. Nos finais de semana, comia na rua (ô saudade do sanduíche natural da praia!) e em restaurantes e, portanto, a minha cozinha não era um compartimento muito frequentado.

Tudo mudou quando o Filipe se mudou lá pra casa. Acostumado a jantar comida todo dia, na primeira noite ele perguntou: e o que vamos jantar? Eu, querendo impressionar, preparei uma pizza de frigideira bem caprichada com mozzarela, atum, cebola e alcaparras. Ele comeu e perguntou: Mas é só isso? Eu pensei: Oba! Ele adorou! E respondi: Magina! Posso fazer outra de queijo e presunto.  
No dia seguinte, cheguei do trabalho e encontrei uma massa de frango com curry maravilhosa esperando por mim e, a partir daí, ele foi eleito o cozinheiro oficial da nossa relação.

Posta de bacalhau assado com batatas ao murro à moda do Chef Filipe.

Em Portugal, os hábitos alimentares, horários das refeições, sabores e temperos são basicamente iguais aos brasileiros e a comida nos cafés e restaurantes é farta, barata e deliciosa. Na Holanda, não há tradição culinária a tradição culinária é mínima, e tirando raríssimas exceções, o que eles chamam de comida eu chamo de "snack" (pão com queijo, croquete, isca de peixe frito, batata frita...). É óbvio que existem restaurantes muito bons (vou dar dicas deles futuramente aqui no blogue), mas são caros, não dá para ir com a frequência que costumávamos ir no Brasil ou em Portugal. 

Eu venho de uma família em que a vida se fez em torno da boa mesa e das rodas de violão, portanto, a minha memória afetiva está muito ligada à música, aos aromas e aos sabores e, nos últimos dois anos eu descobri que cozinhar é terapêutico. No nosso primeiro Natal na Holanda, pela primeira vez na vida, estávamos só nós dois. Chegamos a pensar que seria deprimente, que íamos encher a cara e dormir antes do Papai Noel chegar. Mesmo assim, decoramos a casa toda e armamos uma árvore de Natal enorme (por insistência minha, é claro), mas o que realmente preencheu a casa com o clima de Natal foi o cheiro do peru assando e todos aqueles aromas da típica ceia de Natal que eu estava acostumada. De repente, eram tantas lembranças e vozes familiares na minha mente enquanto eu cozinhava que era como se a casa estivesse cheia. Hoje, lembramos daquele Natal como o nosso preferido na nossa vida de casados.

A nossa simples e poderosa ceia de Natal de 2012.

Matar a saudade de pessoas amadas através da gastronomia não é o único fator que me faz considerar a culinária uma terapia. A sensação de se sentir capaz é maravilhosa! Todo o processo é poderoso: desde pesquisar a melhor receita na Internet, ir "à caça" dos ingredientes, acertar nas medidas, até o momento da primeira garfada! Quando tudo sai bem, a autoconfiança e a autoestima atingem níveis elevadíssimos, quando sai mal, é mais uma sensação de fracasso e frustração para se somar às muitas que permeiam a vida de um imigrante e precisam ser digeridas. O fato é que depois que eu comecei a acertar nas receitas, eu não quis mais parar, e dia após dia, tenho me desafiado e me superado mais e mais!

Quadradinhos de maracujá: a cara da minha infância.

Ontem bateu saudade de um gostinho da infância lá em Belém do Pará: Quadradinhos de maracujá. Hoje estou escrevendo essa postagem me deliciando com uns um. Se você também morre de saudade de sabores e aromas familiares e eles são difíceis de encontrar onde você está, arrisque-se na cozinha afetiva! Afinal, a vida seria muito insossa se não fossem os nossos erros e tentativas, não seria?

18 de fev. de 2015

Começar de novo

Leiden, nosso primeiro pouso na Holanda.

Mais um país, mais um idioma, mais um sistema de hábitos e costumes para aprender.
Apesar do entusiasmo que me move e da plena consciência de que estou onde estou por fruto das minhas escolhas, confesso que ando com uma certa preguiça para recomeçar. Deixem-me explicar um pouco o meu percurso até aqui para vocês entenderem o porquê.

No Brasil, eu morei em Belém do Pará (onde nasci), em Manaus, Fortaleza e Rio de Janeiro. Em 2007, cruzei o Oceano Atlântico e mudei por amor para o Porto, Portugal. Já estava plenamente adaptada lá quando meu marido foi contratado por uma empresa Holandesa e, aos 38 anos, mais uma vez, eu encaixotei a vida e nos mudamos para o país das tulipas e dos moinhos.

A mudança de hábitos e de estilo de vida entre as cidades do Brasil foi sutil, mas não deixou de ser um recomeço em cada lugar: novas amizades, empregos, sotaques, culinária, clima, novas ruas e novos caminhos para aprender. Eu costumava dizer para mim mesma sempre que me perdia em algum lugar "calma, daqui a um tempo tu já vais estar pegando atalhos por essas mesmas ruas..." (O Tempo, sempre o bom e velho Tempo para nos remediar.)

Em 2007, quando cheguei ao Porto.
Em 2007, quando cheguei no Porto.
Como se pode imaginar, a mudança para Portugal exigiu muito mais de mim, mas mesmo assim, não se compara com os obstáculos que enfrento para me adaptar à vida na Holanda. Em Portugal, eu falava o meu idioma, bastou fazer uns ajustes no vocabulário e pronto. A arquitetura, a culinária, os hábitos e as relações sociais eram-me bastante familiares. Aqui na Holanda, basicamente só "o branco do olho" é igual. Estamos aqui há um pouco mais 2 anos e, apesar de todos os encantos e da qualidade de vida desse país, eu ainda não consigo senti-lo como "meu".

Há vários blogues inspiradores que dão dicas de turismo ou de como viver na Holanda (os que eu sigo estão no meu perfil aqui do blogue), todos eles partem da experiência pessoal de seus autores. Cada um sabe a dor e a delícia da sua vida de imigrante e no Por falar em saudade eu vou compartilhar as minhas histórias, descobertas, venturas e desventuras.

Para os amigos que possam estar se perguntando "mas o nome do blogue não era Van Blog?": era, mas eu não estava me identificando com aquele nome e andei meio sem motivação para escrever. 2015 me trouxe uma nova energia e está sendo um ano de recomeços. "Por falar em saudade" tem muito mais a ver comigo.

E você? Está recomeçando a vida em um novo lugar ou mesmo sem sair do lugar? Vamos trocando figurinhas nos comentários. ;-)